A democracia sofre quando a imprensa é calada, dizem jornalistas internacionais em webinar do Interlegis

A democracia sofre quando a imprensa é calada, dizem jornalistas internacionais em webinar do Interlegis

Jornalistas com histórias de perseguição política em diversos pontos do mundo avaliaram as perdas que a democracia sofre quando a imprensa é calada. No webinar Imprensa e Democracia - a liberdade de informar, promovido pelo Interlegis nesta sexta-feira (5), eles falaram da necessidade de a mídia ser livre para noticiar a fim de promover a transparência dos governos e o exercício da cidadania. O debate aconteceu na semana em que se celebra o Dia da Imprensa no Brasil. 

Um dos convidados foi o jornalista turco Can Dündar, hoje exilado em Berlim. Ele era editor do  Cumhuriyet, um jornal de oposição de seu país, quando divulgou informações sigilosas de que o governo da Turquia armava milícias na Síria. 

- Fui punido por revelar segredos de Estado. O público tinha o direito de saber e eu fui preso imediatamente. Mas você vê mentiras e não pode deixar de noticiar.

De acordo com Dündar, a Turquia - e muitos outros países - vivem atualmente uma grande luta pela democracia, pelo estado democrático de Direito e pelo respeito aos direitos individuais. 

Regimes antidemocráticos e que usam aparato policial para se manter no poder, segundo ele, são como “uma doença alastrada pelo mundo”.

Assim como Dündar, o jornalista chinês Chang Ping também se exilou na Alemanha. Escritor premiado com o Human Rights Press Awards de Hong Kong (2014) e com o International Press Freedom Award do Canada (2016), ele contou sobre a censura que sofreu durante o tempo em que viveu na China e sobre ataques sofridos por seus familiares e outros dissidentes políticos. 

- A censura usada pelo Governo da China é sistêmica e vai além das restrições que vemos. Isso vale para todos os aspectos da vida diária do país. Até uma criança no jardim da infância sabe que não tem o direito de se opor ao partido. Eles dizem que a censura faz com que o país seja mais forte, pintam a censura como algo bom para o povo.

Controle 

O advogado e ativista pró-democracia Wilson Leung contou no webinar que a situação da imprensa de Hong Kong - território autônomo chinês - não é muito diferente do que Ping vivenciou na parte continental do país. 

Leung mencionou o controle do governo sobre o que é veiculado na mídia, que tem sido sistematicamente comprada por empresários aliados e pelo próprio governo. 

No momento, Hong Kong tem um único jornal de oposição, que sofre para se manter ativo, pois não consegue adquirir patrocínio de grandes companhias, pressionadas a não apoiarem veículos críticos ao governo. Seu dono já foi preso e teve a casa atacada diversas vezes.

O advogado também mencionou a restrição ao acesso e entrada de jornalistas e o severo tratamento aos que trabalham em Hong Kong, com ataques físicos, sequestros e censura às pessoas que se posicionam com informações desfavoráveis ao governo usando a violência policial. 

- A China usa todas as ferramentas que tem para suprimir o que as pessoas de fora podem dizer. O mundo precisa acordar para esse fato e criar uma estratégia para lidar com isso.

De acordo com Leung, o governo chinês tem lei de segurança que vai contra os direitos humanos, agindo contra a imprensa dentro e fora do território nacional e boicotando manifestações de oposição. Quem participa de uma manifestação assim perde o emprego, entre outras sanções.

América do Sul

O segundo painel do webinar reuniu três jornalistas da América do Sul: dois da Venezuela e um argentino. Luz Mely Reyes, co-fundadora do jornal independente venezuelano Efecto Cocuyo, contou o dia-a-dia dos repórteres que continuam no país. 

- Apesar da fome, da falta de combustível para trabalhar e dos blackouts de energia, nós persistimos, insistimos e resistimos porque a vacina contra esses ataques é um jornalismo cada vez maior e melhor.

Luz Mely contou casos de jornalistas apresentados à justiça como criminosos comuns. O efeito colateral mais danoso da guerra entre governo e mídia, para ela, é o comprometimento da verdade e do direito de ser informado. Ela explicou como o discurso contra os jornalistas começou no início do governo de Hugo Chávez, que já qualificava a imprensa como sua inimiga e inimiga do projeto que ele defendia

- Quando existe uma polarização política, a primeira vítima é a informação. O que importa não é o fato, mas a versão que se conta dele. Tudo se resume em "estar comigo ou estar contra mim”.

Modelo

A venezuelana lamentou que a tentativa de exterminar a imprensa como quarto poder esteja disseminada em outros países latino americanos.

- Infelizmente não é um problema isolado da Venezuela. É praticamente um modelo que se repete no México, Nicarágua, Honduras e Brasil - países em que os jornalistas estão sob ataque. Hoje nós estamos assistindo como governos que se dizem democráticos perseguem e aprisionam jornalistas, bloqueiam os sinais digitais e fazem com que crimes sigam impunes.

Conterrâneo de Luz Mely, o jornalista venezuelano Ewald Scharfenberg, coeditor do site de jornalismo investigativo Armando.info, trouxe reflexões sobre a polarização política historicamente vivida na Venezuela. Ele ponderou sobre o regime vivido no país hoje e sua relação com as notícias falsas. Ewald lembrou o valor primordial do jornalismo: o de levar informação verdadeira e objetiva para a sociedade.

- Temos de trabalhar de modo colaborativo mesmo diante de um cenário polarizado politicamente. O nosso regime veio difundir a história que foi documentada, que está fundamentada em fatos e que iguala todas as menções que estão circulando nos meios de comunicação – avaliou, citando a filósofa alemã Hannah Arendt:

- Liberdade de opinião é uma farsa quando não se aceitam os fatos.

Desafios

O argentino Jorge Lanata, fundador do Página 12, jornal que foi alvo de atentados a bomba antes da venda para o Clarín, destacou os desafios da imprensa para que a democracia possa ser exercida. Segundo ele, deve haver uma luta para alinha a liberdade e a justiça, ressaltando que a imprensa e a democracia não são separadas, as duas precisam caminhar juntas para existir. O jornalista argentino também destacou a importância do jornalismo verdadeiro, o que questiona e incomoda.

- O verdadeiro jornalista sempre vai incomodar, sempre vai estar em uma tensão com o poder.

Censura

Ao abrir o webinar, o senador e jornalista Lasier Martins (Podemos-RS) relembrou a censura instalada pelo regime militar no Brasil.

- Felizmente, vivemos hoje no Brasil tempos democráticos, e a democracia se sustenta sobre o alicerce da liberdade de pensamento, de criação, de expressão e de informação.

O diretor executivo do Interlegis, Márcio Coimbra, avaliou a importância de política e liberdade de expressão andarem juntas no cenário mundial, pois representam a base fundamental da democracia.

- O mundo vive um período delicado no que tange a liberdade de informar. O advento das redes sociais e o advento das noticiais falsas tem mexido de forma profunda com o jornalismo e a política. Este é um binômio do qual não podemos nos afastar, uma vez que a política e a liberdade de expressão caminham lado a lado na construção e no fortalecimento de sistemas democráticos.

Sigilo

O mediador dos painéis sobre liberdade de imprensa foi o editor de política do site Metrópoles, Guilherme Waltenberg. Ele destacou que a democracia precisa de uma imprensa forte para sobreviver e deu exemplo da liberdade de imprensa dos Estados Unidos. 

 - Na democracia mais próspera que se tem notícia em toda a história da humanidade, a liberdade de informar é uma das razões pelas quais aquela sociedade conseguiu se tornar o que é.  

Ele comparou a liberdade da imprensa americana com a do Brasil, onde, apesar de haver uma série de leis que garantem o livre exercício da profissão - inclusive o sigilo da fonte -, a cultura social ainda é bastante arredia à liberdade do jornalismo. 

- Hoje em dia, quando são publicadas matérias que não são do gosto do atual governo e dos seus apoiadores, a imprensa é chamada de ˜extrema”, como se a imprensa fosse uma força que pudesse desestabilizar governos com muita facilidade ou como se houvesse uma homogeneidade entre todos os jornais, o que não existe. 

O debate do Interlegis foi feito em parceria com o Repórteres Sem Fronteiras - RSF, Global Investigative Journalism Network – GIJN, e com apoio do Instituto Mundial para as Relações Internacionais - IR.wi. Ouça reportagem da Rádio Senado.

No início do evento, a presidente do Instituto IR.wi, Carolina Valente, falou sobre a liberdade de imprensa e ressaltou que, além do Brasil, essa é uma pauta mundial.

- O nosso país está vivento um momento de debates intensos por conta das fake news.